TRANSMISSÃO DA VIDA, ÉTICA E MANIPULAÇÃO GÊNICA

 

Universidade Estadual Paulista

U N E S P

 

 

 

 

 

Engenharia genética: benefícios e perigos

Pedro Geraldo Aparecido Novelli

 

ÉTICA E CIÊNCIA

 

Em geral, trata-se da ciência que considera a conduta humana. Enquanto ciência, a ética não é algo que torna alguém bom nem mau, mas que explica seu comportamento segundo seus objetivos ou motivações. Aqui já se encontram duas importantes funções da ética-ciência:

a) A primeira é a assunção do agir humano, segundo certos fins, isto é, aquilo para o qual o homem deveria tender. Tais fins indicariam aos homens os meios para alcançá-los, assim como permitiria conhecer a natureza humana. O conhecimento da natureza humana permitiria identificar os meios que lhe são próprios, permitindo determinar a melhor forma de atingir o fim almejado.

b) A segunda função é a caracterização do que move a ação humana. A posse de tal caracterização possibilita dirigir ou disciplinar a conduta humana.

© 1997-2007  Wilson A. Ribeiro Jr., Grécia Antiga, http://greciantiga.org.

 

A primeira função orienta-se através de um ideal que deve ser buscado e, pelo qual, a existência humana tem sua realização. Quando se diz, por exemplo, que o homem tende para Deus, seu criador, então a perspectiva religiosa pode ser tomada como o meio pelo qual o homem pode chegar ao seu fim, no caso, Deus. O mesmo raciocínio se aplica quando se define o homem como um ser social, cuja felicidade se encontra em sua inserção na sociedade ou no convívio com os outros. Aqui as ciências, como a sociologia, política, etc, podem oferecer os meios adequados para que o homem obtenha o fim pressuposto. Por outro lado, levar em consideração as motivações do agir humano significa conhecer e reconhecer as forças que impulsionam o homem numa certa direção. Nesse caso, os fatos são determinantes, pois eles revelam os interesses em jogo. Aparentemente ambas as posições apresentam o bem igualmente, mas a primeira o toma como algo em si e marcado pela perfeição. O homem não contribui para construí-lo, mas para apreendê-lo melhor. O bem não depende do homem, pois já é algo em si.

 

A segunda posição condiciona o bem aos desejos e escolhas humanos. Assim, o bem resulta do que o homem faz. Conforme diz Aristóteles, o “bem é a felicidade” e os sensualistas, “o bem é o prazer”, a noção de bem é diferente uma da outra, pois a primeira é deduzida da racionalidade e a segunda apóia-se nos hábitos humanos. É precisamente a partir do estabelecimento de uma ou outra perspectiva que a ética passa a ser sinônimo de bem e a sua ausência, sinônimo de mal. Uma tal determinação se dá, principalmente, através de instituições que regulamentem e regulem a ordem existente e a assumam como desejada. Uma instituição importante, nesse sentido, é a lei que explicita o que fazer, quando fazer e até, quando possível, como fazer. A lei cria também impedimentos, pois ao se permitir algo a não permissão se põe na mesma medida. Pela lei não se pode fazer tudo, nem de qualquer modo, nem quando bem se entende. A lei deriva da ética enquanto compreensão do aceitável. No entanto, isso pode ser facilmente invertido quando se toma a lei não como curadora do bem, mas como causa. Um risco desta perspectiva é o legalismo, segundo o qual, a lei se transforma na referência maior e única para o agir. Contudo, a própria compreensão da ética pode conduzir à positividade, isto é, à explicitação do que se deve fazer.

 

Assim, a ética pode ser:

a) descritiva, caracterizando-se pela exposição do que é praticado;

b) normativa, preocupada com as normas e regras do agir para o bem;

c) meta, dedicada às definições e à conceituação;

d) deontológica, orientada pela insistência no dever;

e) teleológica, que se volta para os fins do agir.

 

Para os primeiros homens a ética representou a possibilidade de ir além do destino ou da existência pré-determinada. O que poderia significar para o homem de hoje?

 

O QUE É BIOÉTICA?

 

A resposta à questão acima pode exemplificar um significado para o homem na atualidade. O termo bioética tem origem com o oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter no seu livro “Bioethics: bridge to the future” (Bioética: ponte para o futuro) de 1971. Potter usou o termo para se referir à importância das ciências biológicas na melhoria de vida, ou seja, aplicada à sobrevivência do planeta. Para tanto, novos valores foram criados e novas perspectivas foram adotadas. A própria ONU, em 1983, criou a Comissão Mundial para o Meio Ambiente. Deve-se lembrar aqui o papel do Brasil com sua Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento que ficou conhecida como Rio 92. O termo também é relacionado às pesquisas científicas com seres humanos ou animais.

 

Segundo a Encyclopedia of Bioethics, editada por Reicht em 1978, a “bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais”. A bioética não possui novos princípios, mas emprega os já tratados pela ética na consideração de novas questões impostas pela ciência e pela tecnologia. Pode-se dizer que a bioética representa um passo dado pelo agente moral que não é outro senão o homem, na direção da consideração moral de outros seres ou da natureza em geral.

 

Um aspecto candente da bioética na atualidade é a atuação da ciência:

 

Pode a ciência, em nome de seu lema de “bem para a humanidade” fazer o que julgar adequado justificando, por exemplo, seus meios pelos fins?

 

A manipulação genética é uma realidade e seus benefícios podem ser conferidos na produção de animais e de vegetais. Em relação aos seres humanos ainda existem muitas questões e dúvidas, mas não seria exagerado dizer que se caminha a passos largos na liberação da manipulação genética humana.

 

Mas, por que isso deve inspirar cuidados?

 

A ciência não é somente saber. Ela é também atividade que se realiza a partir de motivações, interesses e escolhas. É precisamente aqui que valores são postos ou depostos. A ciência também é uma instituição que resulta do reconhecimento coletivo. Toda e qualquer iniciativa individual não possui aceitação inerente, mas somente enquanto é compartilhada com os pares e também com os “ímpares”, pois estes últimos, embora possam não estar munidos de conhecimentos específicos, constituem o grupo daqueles que poderão ser beneficiados pelos resultados da investigação científica. Nesse sentido, o papel dos comitês e comissões éticas é extremamente importante, pois se não se pauta pelo consenso do saber científico precisa necessariamente buscá-lo na sua aplicação ou desdobramento tecnológico.

 

No que diz respeito à manipulação genética é adequado indagar mais ainda os riscos e benefícios envolvidos. Quando se fala em benefício deve-se levar em consideração a disparidade existente entre os investimentos e os possíveis beneficiários. Determinadas pesquisas obtém recursos provindos de diferentes segmentos sociais, mas os resultados obtidos não se destinam obrigatoriamente a todos, pois nem todos têm condições para tanto.

 

A bioética sugere questões que devem nortear o cientista assim como todos aqueles envolvidos na pesquisa: quem faz? para quê faz? e por quê faz? As respostas dadas denotam os valores em jogo e a consideração por aquilo ou por quem se pesquisa.

 



 

FONTES DE LEITURA SUGERIDAS:

Revista Bioética

Cadernos de Bioética

www.ufrgs.br/bioetica